quinta-feira, 29 de julho de 2010

Doutor, chocolate dá espinha?












Durante muitos anos, no consultório, a resposta que dei a esta recorrente pergunta (geralmente feita por pais preocupados com a sanha glutona de seus filhos) sempre foi: " - Não, não se preocupe, deixe-o comer o que quiser; não há estudos sobre isso!"
Na verdade, talvez eu estivesse errado - eu e os livros de medicina!
É atribuída a Churchil a máxima: " (...) a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que tem sido experimentadas de tempos em tempos". Talvez fosse a hora de dizermos: A ciência é o pior método de obtenção do conhecimento e compreensão do mundo, salvo todas as outras, a saber: o charlatanismo em todas as suas faces (inclusive as crendices, curandeirismos e seitas) e a aprendizagem empírica tradicional de causa e efeito imediato - "meu filho passou debaixo da mangueira e depois deu espinha, logo apenas o cheiro da manga, eu tenho certeza, dá espinha, doutor"
Por essas e outras, para pessoas que não possuem uma compreensão mínima do método científico, o dizer e desdizer subsequente em consultas médicas pode ser uma confusa experiência, não raro levando-as a duvidar da real competência do médico.
O fato é que vários estudos recentes - primorosamente analisados na revisão feita por Costa e cols - encontraram indícios (eu disse indícios!) que vários alimentos (entre eles, o chocolate) e hábitos dietéticos podem ser responsáveis pelo surgimento da acne.
Vamos aos vilões:
  • o consumo frequente de carboidrato de alto índice glicêmico, ou seja, aquele que aumenta muito o nível de glicose após a refeição, pode antecipar a maturação sexual (isso mesmo!), com precocidade e maior gravidade no desenvolvimento da acne. Explica-se: os hormônios que desencadeiam a acne passam a ser produzidos mais cedo.


  • o leite, e aí a surpresa , principalmente o desnatado, pode causar acne naqueles que o consomem. Mas não é a gordura do leite que deixa a pele oleosa? Nã, nã, nã... o leite, e principalmente o leite sem nata, pelo seu processamento, contém várias substâncias - entre elas, hormônios - responsáveis pelo aumento no sangue de uma substância chamada IGF-1, que, em última instância, influenciará no surgimento dos cravos e espinhas.


  • A ingestão aumentada de ácidos graxos Ômega 6 associada a uma alimentação pobre em ácidos graxos Ômega 3, como observados em nossa dieta ocidental, entre outros vários malefícios à saúde, também podem causar acne. Por isso, olho vivo, sardinha ou um salmãozinho vez ou outra não vai nada mal, hein?
  • Enfim, o chocolate: a guloseima é rica em compostos que aumentam, no sangue, um hormônio chamado insulina, que, por sua vez, estimula a produção de hormônios masculinos - em homens e mulheres. Estas substâncias, ditas androgênios, são potentes estimulantes da formação de lesões acneicas - daí a explicação também para o aumento da acne durante a puberdade.

Em suma: uma alimentação saudável, à base de alimentos frescos, frutas, vegetais, carne, frango e frutos do mar grelhados em detrimento de alimentos processados, laticínios, acúcares e óleos refinados pode sim contribuir para uma pele com menos espinhas e cravos.










quinta-feira, 15 de julho de 2010

Banhos


" e disse (Jesus ao cego): - Vai, lava-te na piscina de Siloé. Foi ele pois e lavou-se, e veio com vista."
Desde tempos remotos, o ato de banhar-se associa-se ao ideário e a rituais de purificação, cura, limpeza...
Ontem li um artigo no jornal que muito me chamou a atenção e que corroborou uma suspeita que há muito eu tinha, baseada na prática clínica: somos os campeões mundiais em banhos, com média de 19,8 banhos por semana ou quase três banhos por dia (!), muito à frente do segundo colocado, os russos, com média de 8,4 banhos por semana.
Ora, então quer dizer que somos muito higiênicos?
Talvez não seja por aí... a característica de lavar o corpo em excesso - que herdamos de nossos ancestrais indígenas - não confere, por si, maior proteção contra doenças infecciosas. Tal proteção se dá, sobretudo, com o hábito, simples e rápido, de lavar as mãos! Infelizmente, neste quesito não estamos tão bem classificados, atrás de vários países, e isto sim merece atenção.
Para se ter uma idéia, durante a primeira onda de transmissão do vírus H1N1, em que houve aquela campanha maciça - e às vezes até histérica - para a conscientização da higienização das mãos, houve queda nos índices brasileiros de diversas doenças infecciosas como Hepatite A, conjuntivites e parasitoses intestinais.
Além disso, banhos vigorosos, com ensaboamento excessivo, uso de buchas para esfregar a pele e água escaldante - principalmente no inverno, quando o clima é naturalmente mais seco - leva a consequências catastróficas no equilíbrio dos lipídeos da pele, rompendo a barreira cutânea, com consequente surgimento de prurido (coceira), eczema (um tipo de alergia), manchas, infecções, agravamento de doenças cutâneas prévias. Isto é particularmente relevante na população idosa, em que a pele já é mais seca que a pele de um jovem.
Por isso, o banho com uma água um pouquinho mais fria, o uso parcimonioso de sabonetes e a abolição das famigeradas buchas tem papel importante na saúde de sua pele durante o inverno.
E lembre-se, ao menor sinal de ressecamento, faça uso de um bom hidratante (em um post que farei em breve deixarei um guia confiável de produtos) logo após o banho, com a pele ainda úmida.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O curioso caso de Paula Oliveira



É verdade, a vida, às vezes, parece um enredo de cinema. A aparente - não desejo entrar no mérito se o fato realmente ocorreu ou não - automutilação da brasileira na Suíça é algo mais comum do que parece e é descrita na literatura médica pelo nome de Dermatite Factícia.
Comprovando a afirmação da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva de que o psicopata mora ao lado, quase todos os dias, em meu consultório, me deparo com pacientes que apresentam moléstias da área das Psicodermatoses. Da Tricotilomania à Onicofagia, passando pelas Escoriações Neuróticas, observamos que o território cutâneo é manifestação frequente de diversas doenças mentais - segundo alguns autores esta associação se explica justamente porque a pele e o Sistema Nervoso Central, quando em sua formação embrionária, derivam do mesmo tecido original, o Ectoderma.



Mas voltemos à Dermatite factícia:


Também chamada Dermatite artefacta ou pantomímica, consiste na provocação deliberada de lesões cutâneas pelo paciente, sem que este admita o fato na consulta.


Geralmente representam um desafio diagnóstico, pois faltam informações verídicas na história. Podem, pelos inúmeros métodos de simulação empregados e pela variedade de lesões conseguidas (lesões lineares, bolhosas, cáusticas) simular diversas dermatoses diferentes, como Pênfigos, Porfiria, Vasculites. Nesse caso, resta ao dermatologista bancar o detetive, mas com extrema cautela. Conforme trabalho publicado recentemente por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora, "o confronto direto com o paciente poderá ser desastroso, resultando no abandono do tratamento".




Seria uma tentativa desesperada, aberta e clara de socorro, visando atrair atenção, simpatia ou preocupação de familiares e amigos, quiçá para a obtenção de benefícios secundários.




Estellita-Lins e colaboradores, em excelente abordagem, recorrem à psicanálise para explicar a origem da doença: "o masoquismo pode estar presente como atitude de autoflagelação ou como perversão sexual. Observações da clínica psicanalítica sugerem um processo de luto patológico no qual o aspecto de perda do objeto de amor implica ódio recalcado. (...) O paciente volta-se enigmaticamente contra si próprio, já que o lugar da pessoa amada (que está sendo pranteada) permanece na fantasia até o término da elaboração do luto. Esse tipo de auto-agressão seria uma represália real contra uma parte do objeto fantasmático perdido (morto) dentro de si próprio".




Como disse o poeta Rimbaud, "a pele é o que há de mais profundo".






quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Que homem se pode ser



Acabo de ler o bom O africano, do prêmio Nobel do ano passado, o francês Le Clézio. O livro fala das reminiscências infantis do autor e da sua relação de amor e ódio com um pai ausente durante boa parte de sua infância.



Já no fim do livro, em uma passagem simplesmente L-A-N-C-I-N-A-N-T-E, ele fala da desilusão pessimista de seu pai com a vida e, particularmente, no exercício da medicina.



Vai, então, o excerto (pp. 100-102):






"Para ele, a doença tem um caráter ofensivo, agora que o encanto da África já deixou de existir. Pouco a pouco a profissão que ele exerceu com tanto entusiasmo passa a ser opressiva no calor, na umidade da margem, na solidão desse fim de mundo. A proximidade do sofrimento o extenua: todos esses corpos que ardem de febre, os ventres dilatados dos cancerosos, aquelas pernas cheias de feridas, deformadas pela elefantíase, os rostos comidos pela lepra ou a sífilis, aquelas mulheres laceradas por partos, aquelas crianças envelhecidas por carências, com a pele cinzenta como pergaminho, com os cabelos cor-de-ferrugem, os olhos aumentados pela proximidade da morte. Muito tempo depois ele ainda me falaria dessas coisas terríveis que era preciso enfrentar no dia-a-dia, como se fosse a mesma sequência que recomeçava: uma velha enlouquecida pela uremia, que tinha de ser amarrada na cama, um homem do qual ele extraiu uma tênia tão comprida que foi preciso enrolá-la num pedaço de pau, a mulher ainda jovem que ele teve de amputar por causa de uma gangrena, a outra que já morria de varíola quando a levaram a ele, com o rosto inchado e coberto de chagas. A proximidade física com aquela terra, o sentimento que só é dado pelo contato com a humanidade em toda a realidade de seus sofrimentos, o odor da pele, o suor, o sangue, a dor, a esperança, a pequena réstia de luz que às vezes se acende no olhar de um doente, quando a febre se afasta, ou esse infinito segundo durante o qual o médico vê a vida extinguir-se na pupila de um agonizante - tudo isso que o havia arrebatado, eletrizado no início, quando ele navegava pelos rios da Guiana, quando andava pelas trilhas das montanhas no planalto camaronês, tudo isso é reposto em questão em Ogoja, devido à desesperadora deterioração dos dias, num pessimismo não expresso, porque ele constata a impossibilidade de chegar ao fim de sua tarefa.



Com a voz ainda velada pela emoção, ele me conta o caso do jovem ibo que lhe levaram ao hospital de Ogoja, de pés e mãos amarrados e com a boca amordaçada por uma espécie de focinheira de pau. Fora mordido por um cão, e agora a raiva se manifestou. Ele está lúcido, ele sabe que vai morrer. Por instantes, na cela onde ficou isolado, é tomado por uma crise, seu corpo se arqueia todo na cama e, apesar das correias, os membros são possuídos por tal força que o couro parece prestes a romper-se. Ao mesmo tempo, ele grunhe e berra de dor, sua boca espuma. Depois volta a cair numa espécie de letargia, derreado pela morfina. Algumas horas mais tarde, é meu pai que enfia em sua veia a agulha que lhe injeta o veneno. Antes de morrer, o rapaz olha para meu pai, perde a consciência e num último suspiro seu peito afunda. Que homem se pode ser, quando se viveu tudo isso?"




P.S. : Aproveito, no link do livro, para mostrar, a quem não conhece, o Skoob, uma comunidade de leitores. Aproveite e compartilhe seus gostos literários. Não esqueça de me adicionar!

domingo, 4 de janeiro de 2009

A fronteira da pieguice




A maioria dos filmes americanos ditos comédias românticas é uma lástima. A pieguice ou sentimentalismo barato são a regra e a tentativa para que o espectador se emocione a qualquer preço tem suas consequências. Toda pessoa com um pouco de senso crítico percebe essa manipulação e passa longe até do cartaz do filme.




Não é o caso da adaptação do livro Marley e eu. Pode ter sido uma interpretação pessoal, mas achei que o filme margeia muito bem a pieguice. Sabe ser delicado sem ser açucarado, doce sem ser melado, enfim, emociona sem chantagear sua mente.


Fiquei pensando em quantas oportunidades que perco de me emocionar só correndo atrás dos filmes cerebrais, pensantes, cult.




Talvez isso possa ser extrapolado para a vida... às vezes somos profissionais demais, porque não pega bem trabalhar com a barba por fazer, com a camisa pra fora, com a gravata um pouco frouxa...



As pessoas andam tão loucas atrás da grana que até nos momentos de descontração, em um chopinho ou algo parecido passam a mostrar aquela sua aparência ponderada, aquelas frases pensadas, só falam do trabalho.




De longe, ao avistar O Profissional, corro na hora!





segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Uma citação

E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?

ALMEIDA GARRETT



Esta citação já vi transcrita pelo Saramago mais de uma vez, o que para um homem com suas diversas e belas letras, convenhamos, já é bastante significativo para que não a esqueçamos mais.

Esporotricose: como tudo começou


A seguir, gostaria de discorrer sobre uma doença a que muito me afeiçôo. (Sim, o fato de gostar de diagnosticar e tratar alguém com alguma moléstia não deve ser encarado, a meu ver, como algo insano ou psicologicamente patológico. Nós, médicos, nos permitimos tais idiossincrasias...).


Vamos aos fatos:


Cena 1: eu estou sentado em mais uma das fascinantes aulas práticas do departamento de Doenças Infecto-parasitárias (DIP) da Faculdade de Medicina de Petrópolis, quando chega até mim um garoto com cerca de 13 anos de idade, referindo quadro de nódulos eritematosos e dolorosos no dorso das mão e antebraço correspondentes. Tais nódulos pareciam claramente formar um arranjo linear e. distalmente, apresentava-se uma lesão ulcerada. A professora, após exame cuidadoso do paciente, lhe indaga, entre outras informações, acerca da convivência com animais domésticos. O rapazola - ainda se usa isso? - não só confirma a informação como acrescenta que o bichano arranhou-lhe, mas levemente, próximo à úlcera distal.


A professora, ainda que preliminarmente, comunicou-nos, então suas hipóteses diagnósticas, entre as quais, aquela que seria o diagnóstico definitivo, a ESPOROTRICOSE.


Cena 2: semana seguinte, mesmo ambulatório, mesma professora. Adentra o recinto senhor lavrador de profissão, com mesmas lesões nodulares, mesma úlcera distal. Você já viu este filme, eu também, mas aquela mesma professora, que semana antes brilhantementemente ensinara-nos sobre aquela doença, resolver cometer, para minha sorte, um lapso - que ainda espero abordar mais amiúde em outro post -não tão incomum em nós médicos: a doença está ali, claramente assinalada, conhecimento não lhe falta, domina todas as técnicas diagnósticas e modalidades terapêuticas principais e secundárias, mas, por um capricho de Esculápio, ou Hipócrates, ou seilá quem possa perder seu tempo a guardar o pobre-diabo que se dispõe a tratar individual e prestimosamente cada bendito ser que ajuda a formar aquela interminável fila do SUS. Pois bem, mesmo com todo este cabedal, a mestra não consegue juntar alhos e bugalhos, úlceras e nódulos e corre a pedir exames de uma doença que claramente se revela a um quase-leigo como eu, à epoca. Eis que, ainda com dúvidas, me manifesto, lembrando-a do paciente da semana passada e uma primeira centelha de uma nova profissão irrompe - minha indecisão quanto à minha futura especialidade (Dermatologia) começa a acabar.

Primeira postagem


Vamos lá: primeira postagem é assim, né, aquela (falsa?) timidez, aquele recato, mas é isso aí: "TEJE INAUGURADO".



Proponho um espaço para discussões dermatológicas, filosóficas, culturais, etc. Como ainda estou em um processo de aprendizagem, erros serão inevitáveis. Conto com a compreensão de todos...