É verdade, a vida, às vezes, parece um enredo de cinema. A aparente - não desejo entrar no mérito se o fato realmente ocorreu ou não - automutilação da brasileira na Suíça é algo mais comum do que parece e é descrita na literatura médica pelo nome de Dermatite Factícia.
Comprovando a afirmação da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva de que o psicopata mora ao lado, quase todos os dias, em meu consultório, me deparo com pacientes que apresentam moléstias da área das Psicodermatoses. Da Tricotilomania à Onicofagia, passando pelas Escoriações Neuróticas, observamos que o território cutâneo é manifestação frequente de diversas doenças mentais - segundo alguns autores esta associação se explica justamente porque a pele e o Sistema Nervoso Central, quando em sua formação embrionária, derivam do mesmo tecido original, o Ectoderma.
Mas voltemos à Dermatite factícia:
Também chamada Dermatite artefacta ou pantomímica, consiste na provocação deliberada de lesões cutâneas pelo paciente, sem que este admita o fato na consulta.
Geralmente representam um desafio diagnóstico, pois faltam informações verídicas na história. Podem, pelos inúmeros métodos de simulação empregados e pela variedade de lesões conseguidas (lesões lineares, bolhosas, cáusticas) simular diversas dermatoses diferentes, como Pênfigos, Porfiria, Vasculites. Nesse caso, resta ao dermatologista bancar o detetive, mas com extrema cautela. Conforme trabalho publicado recentemente por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora, "o confronto direto com o paciente poderá ser desastroso, resultando no abandono do tratamento".
Seria uma tentativa desesperada, aberta e clara de socorro, visando atrair atenção, simpatia ou preocupação de familiares e amigos, quiçá para a obtenção de benefícios secundários.
Estellita-Lins e colaboradores, em excelente abordagem, recorrem à psicanálise para explicar a origem da doença: "o masoquismo pode estar presente como atitude de autoflagelação ou como perversão sexual. Observações da clínica psicanalítica sugerem um processo de luto patológico no qual o aspecto de perda do objeto de amor implica ódio recalcado. (...) O paciente volta-se enigmaticamente contra si próprio, já que o lugar da pessoa amada (que está sendo pranteada) permanece na fantasia até o término da elaboração do luto. Esse tipo de auto-agressão seria uma represália real contra uma parte do objeto fantasmático perdido (morto) dentro de si próprio".
Como disse o poeta Rimbaud, "a pele é o que há de mais profundo".